PORQUE não aguentamos mais a hostilidade, a violência e a ignorância em espaços que deveriam ser inclusivos, diversos e seguros;
PORQUE não vamos deixar nenhum discurso de ódio passar batido;
PORQUE nossas vivências diversas não são um cantinho escondido na prateleira da livraria ou mero nicho de mercado;
PORQUE pessoas de todas as cores e tonalidades, que são subrepresentadas e discriminadas, merecem espaço na literatura especulativa nacional como personagens, escritores, ilustradores, editores, e demais profissionais do mercado editorial;
PORQUE mulheres cis e mulheres trans merecem espaço na literatura especulativa nacional como personagens, escritoras, ilustradoras, editoras, e demais profissionais do mercado editorial;
PORQUE pessoas trans, incluindo todo o guarda-chuva de identidades genderqueer e não-bináries, merecem espaço na literatura especulativa nacional como personagens, escritores, ilustradores, editores, e demais profissionais do mercado editorial;
PORQUE pessoas homossexuais, homorromânticas, bissexuais, birromânticas, panssexuais, panrromânticas, demissexuais, demirromânticas, assexuais, arromânticas, e queer merecem espaço na literatura especulativa nacional como personagens, escritores, ilustradores, editores, e demais profissionais do mercado editorial;
PORQUE pessoas com diversidade funcional e pessoas neurodivergentes merecem espaço na literatura especulativa nacional como personagens, escritores, ilustradores, editores, e demais profissionais do mercado editorial;
PORQUE todos os corpos devem ser representados com igualdade e respeito em sua diversidade, sem gordofobia;
PORQUE pessoas das comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas, rurais, em favelas e demais camadas socioeconômicas marginais merecem espaço na literatura especulativa nacional como personagens, escritores, ilustradores, editores, e demais profissionais do mercado editorial;
PORQUE a diversidade de vozes é crucial para a representação e a visibilidade de pessoas marginalizadas;
PORQUE não podemos deixar a representação de vidas diversas nas mãos de um pequeno grupo de privilegiados;
PORQUE celebramos a diversidade de experiências entre minorias étnicas, culturais e religiosas, e queremos que todas as diferenças tenham visibilidade e representação;
PORQUE consideramos ‘estrangeirismo’ um termo vazio e nonsense, e abraçamos o aspecto multiétnico e multicultural do nosso idioma com a inclusão de palavras e expressões de outros idiomas e dialetos em nossos textos;
PORQUE invocamos referências não-apologéticas dos quadrinhos americanos e japoneses, cinema de arte ou blockbuster, da música emocore ao rap queer, do Movimento Antropofágico, do Manguebeat, da cultura pop televisiva, da deepweb até a cultura de internet da superfície e todas as camadas intersticiais, do afrofuturismo de Janelle Monae, da arte-sabotagem e do terrorismo poético de Hakim Bey, do Manifesto Riot Grrrls, da desobediência civil, do DIY, do caos de nossas rotinas até o vórtice incomensurável do cosmos;
PORQUE abraçamos os folclores, as fábulas e as mitologias indígena, iorubá, hindu, japonesa, chinesa, islâmica, malaia, maori, grega, egípcia, mesoamericana, e todos os mitos regionais de todos os cantos do mundo;
PORQUE não estamos aqui para agradar quem acha que a arte pode ser limitada por qualquer critério que não seja a vontade de quem cria;
PORQUE falamos do nosso tempo para pessoas do nosso tempo, conhecendo o passado e nossos precursores, mas com os dois pés firmes no presente e os olhos num futuro que acreditamos pode ser melhor, diverso e colorido;
PORQUE as naves espaciais e o outro lado do espelho devem pertencer a todos, sem distinções;
PORQUE acreditamos no humor, na ironia e no sarcasmo como matérias do fazer na arte e como ferramentas na luta contra um sistema desumano;
PORQUE nossos inimigos têm armas, nós temos todo o resto;
PORQUE nossa arte é nossa arma.
Jim Anotsu & Vic Vieira (Alliah) & todo mundo que é incrível.
12 de Janeiro de 2015.
Carta
Deflagrando Nossa Explosão de Diversidade
As criaturas evoluem, mudam e se adaptam às condições de seus ambientes. A vida traça seu próprio curso, gerando vidas diferentes e formando novos biomas. O custo disso é que algumas criaturas ficam estacionadas no tempo, alheias ao que acontece ao seu redor. De acordo com a Wikipedia—e nós achamos que essa é a fonte de informações mais punk que existe: “A irradiação adaptativa é um processo evolutivo em que organismos se diversificam rapidamente em uma multidão de novas formas, particularmente quando uma mudança no ambiente faz com que novos recursos fiquem disponíveis, criando novos desafios e abrindo nichos ecológicos”.
A mesma coisa acontece no mundo da literatura de gênero, pessoas diversas têm mostrado seus rostos no mundo—suas cores, amores e aquilo que são—mas essa diversidade não está alcançando as páginas de ficção e o mundo editorial como poderia. O mundo do papel e das telas ainda é dominado por homens cis brancos fazendo o que sempre fizeram e refazendo o que sempre fizeram. É por isso que acreditamos numa forma de tomar isso de assalto, fazendo barulho com o que temos e o que podemos para mudar esse cenário. Queremos que a literatura de gênero evolua, que abrace todas as pessoas do mundo e não apenas uma minúscula parte dele.
Por isso um movimento de ruptura se faz necessário.
No registro geológico de nosso planeta, o limite K-Pg é marcado por um alto nível de irídio—um metal raro na Terra e abundante em asteroides. Essa camada prateada é o indicador de que um mega impacto cometário foi o responsável pela devastadora extinção no fim do período Cretáceo, aniquilando grande parte das criaturas da época, entre elas os dinossauros não-voadores; permitindo que os mamíferos se irradiassem e nova vida florescesse nos períodos subsequentes.
É tempo de sujar nossas mãos com irídio e incrustar uma nova marca em nossa geração.
É tempo de uma explosão de diversidade—para deixar os dinossauros do preconceito, do discurso de ódio, e da ignorância, reduzidos a pó em seus estratos fossilizados; e abrir espaço para uma irradiação de novas criações.
As pessoas podem tentar te desanimar e te diminuir, mas nós acreditamos que o mundo é feito quando um bando de gente incrível se une para criar. Acreditamos que a ficção de gênero pode ser uma ferramenta para unir pessoas—que a fantasia pode mostrar outras mágicas e outros espelhos, que as naves espaciais podem ser as ferramentas para fazer com que as pessoas se encontrem na Terra antes do encontro com outros planetas.
O Manifesto Irradiativo é para todo mundo que já desejou ser aceito, para que saibam que sua representatividade importa.
Você é o motivo de estarmos aqui.
Jim Anotsu & Vic Vieira (Alliah).
12 de Janeiro de 2015.